FUNDAMENTALISTAS x CIÊNCIA
O Presidente da Royal British Society faz defesa irrestrita da Ciência.
por Chris Talbot - 15 Dezembro 2005
Lord Robert May, presidente da Royal Society, na comemoração de sua fala de
aposentadoria (Ameaças ao Mundo de Amanhã) faz um desafio aos modernos oponentes da
ciência, e ele foi marcante na sua franqueza.
Eminente figura do mundo da ciência, não se eximiu de enfatizar a perigosa recusa dos
governos – incluindo as administrações Bush, e Blair no Reino Unido – em começar atacando
seriamente os problemas que o planeta enfrenta, com base nas advertências já feitas pelos
cientistas.
May também enfatizou o sério impacto dos ataques de fundamentalistas religiosos ao
futuro da Ciência – particularmente os direitistas cristãos nos Estados Unidos – Ele insistiu em
defender uma atitude, para com a ciência e a sociedade, baseada nas tradições do Iluminismo
dos séculos XVII e XVIII, a despeito da tendência agressiva dos pós-modernistas na academia.
May enfaticamente defendeu as conquistas da ciência na era moderna. “O entendimento
básico das ciências da vida”, pontuou, “especialmente com respeito às doenças infecciosas,
resultou no aumento da vida média no planeta para 64 anos, quando era 46 anos a 50 anos
passados, o intervalo de expectativa de vida entre paises desenvolvidos e países em
desenvolvimento diminuiu de 26 para 12 ainda inaceitáveis anos”.
A ciência permitiu que a humanidade duplicasse a produção de alimentos nos últimos 35
anos, com acréscimo de apenas 10% na área cultivada, e o humano médio tornou-se capaz de
acessar, diariamente, suprimentos de energia correspondentes a 14 vezes o necessário para
manter os processos básicos do metabolismo, comparada com a quantidade de energia
disponível aos nossos ancestrais caçadores.
May destacou o aumento da população humana que a ciência tornou possível: “Foi
necessário toda a história da humanidade para se atingir o primeiro bilhão de pessoas, por
volta de 1830; um século mais para duplicar (2 bilhões); mais 40 anos para duplicar outra vez
(4 bilhões) por volta de 1970. Hoje nós somos 6,5 bilhões, caminhando para uma catástrofe ao
atingirmos o entorno de 9 bilhões em 2050”.
Como conselheiro chefe do governo do Reino Unido, de 1995 a 2001, e como presidente
da Royal Society pelos últimos cinco anos, May teve acesso às informações mais atualizadas.
Ele realçou os maiores problemas enfrentados pela comunidade científica: a mudança
climática, a diversidade biológica e as doenças infecciosas.
Quanto à mudança climática ele explicou que o nível de dióxido de carbono na atmosfera
terrestre era cerca de 280 ppm (partes por milhão) na década de 1780, no início da Revolução
Industrial, elevando-se para 315 ppm no próximo século e meio e, então, acelerando através de
todo o século XX para o nível atual de 380 ppm. As estimativas atuais indicam que em 2050
este nível atingirá 500 ppm, existindo agora um consenso entre cientistas do mundo todo que
a temperatura média está se elevando como conseqüência. May e a Royal Society deram um
passo sem precedentes em junho deste ano (2005) obtendo uma declaração da existência do
aquecimento global assinada por cientistas acadêmicos de todos os países do G8, bem como
China, Índia e Brasil.
May disse “Os impactos do aquecimento global são muitos e sérios: aumento do nível
do mar (derivado da expansão da água pelo aquecimento, e também do derretimento do gelo
nos pólos; mudanças na disponibilidade de água doce (num mundo onde os humanos já
pressionam fortemente, em muitos países, para obtenção de suprimentos disponíveis); e o
aumento da incidência de ‘ventos extraordinários’– enchentes, secas e furacões –
conseqüências sérias com níveis aumentados e que convidam à comparação com ‘armas de
destruição em massa’ Em particular, estudos recentes, feitos anteriormente ao Katrina,
sugerem que o aumento da temperatura da superfície do oceano (fonte de energia dos
furacões) terá pouco efeito na freqüência dos furacões, mas fortes efeitos quanto à força
deles)”.
Ele descreveu medidas que começariam a enfrentar o aquecimento global – restringir o
uso da energia capturando emissões de dióxido de carbono, ou mudando para fontes de
energia renovável que respondem apenas por 3% da energia mundial.
“Não é de surpreender”, disse May, “que existam correntes (lobbies) que negam a
alteração climática, orquestradas pelo poder de dezenas de milhões de dólares dos setores da
indústria do hidrocarbono, e que são altamente influente em alguns países; Essas correntes
(lobbies) têm similaridades reconhecidas em atitudes e táticas, tal a indústria do tabaco que
continua a negar que o fumo cause câncer do pulmão, ou uma curiosa corrente (lobby) que
nega que o HIV causa AIDS.
Antigamente, quando alguns aspectos da ciência ofereciam menor compreensão, eles
negavam a existência evidente que a geração de dióxido de carbono pelos humanos, e outros
gases do efeito estufa, estivessem causando aquecimento global. Mais recentemente surgiu o
reconhecimento da mudança climática antropogênica (causada por atividade humana),
expressa, entretanto, de forma evasiva acompanhada por argumentos: que os efeitos são
relativamente insignificantes e/ou que nós deveríamos aguardar para ver, e/ou que a
tecnologia vai de alguma forma reparar o dano.
Nos Estados Unidos as emissões são, hoje, 20% mais altas que em 1990, e o fracasso do
Presidente George W. Bush para reduzir as emissões de carbono feitas por seu pai é
“enfatizado pela omissão em não mencionar mudança climática, aquecimento global ou efeito
estufa em seu discurso de 2.700 palavras ao dar as boas vindas à nova legislação de energia
nos Estados Unidos, em agosto de 2005”.
É provável que o Reino Unido venha a perder sua meta Kioto quanto às emissões, vez
que o Governo não consegue acompanhar os índices crescentes de demanda por eletricidade
e transporte sem queimar mais combustíveis fósseis.
No tópico declínio da diversidade biológica, May admitiu que nosso entendimento dos
efeitos é muito rudimentar e que poderia apresentar “uma ameaça muito maior que a da
mudança climática”.Pesquisando provas para a sobrevivência das espécies, May conclui que
as taxas de extinção no século XX eram maiores, num fator de 100 para 1000, do que as taxas
reveladas pelos registros fósseis. Ele argumenta que esta extinção pode vir a quadruplicar no
próximo século como resultante da atividade humana.
A avaliação dos ecossistemas, patrocinada pelas Nações Unidas - Millenium Ecosystem
Assesment - gerou um relatório no início do ano concluindo que “aproximadamente 60% dos
serviços de ecossistemas que mantém a vida na Terra – tal como água doce, pescado,
regulamentação pertinente ao ar e água, polinizadores para plantações, juntamente com
regulamentação do clima regional, das pestes e de certos tipos de riscos naturais – estão
sendo degradados e/ou utilizados de forma insustentável”.
O “World Summit on Sustainable Development” em Joanesburgo em 2002 definiu em
consenso as metas de 2010 para “uma significativa redução na taxa atual de perda da
biodiversidade”. May declara que 188 nações o assinaram, exceto os 7 da “coalizão da falta de
determinação”, que incluem os EUA, o Iraque e o Vaticano. Entretanto, a falta de ação
pertinente a sustentabilidade inclui a Grã- Bretanha onde 1% das Áreas de Especial Interesse
Cientifico sofrem sérios danos anualmente, e a União Européia que continua a permitir a pesca
do bacalhau em águas onde os cientistas instaram para que houvesse um total banimento por
causa da sobrepesca.
Doenças infecciosas constituem o terceiro maior problema mundial enfrentado pela
humanidade. A Ciência sem dúvida fez grandes avanços, apontando para o fato que das 130
milhões de crianças nascidas no mundo durante o ano passado 10 milhões não teriam
sobrevivido seus primeiros cinco anos sem sua contribuição. May afirmou “Isto é lamentável e
evitável”. Entretanto não há grau de comparação com a situação existente em 1860, por
exemplo, quando metade das crianças nascidas em Liverpool (RU) não ultrapassava a idade de
cinco anos.
Mas os benefícios da medicina são fortemente distorcidos em favor do Ocidente. May
aponta para uma análise de teses de pesquisa publicadas em 4 grandes periódicos. Apenas
um jornal em cada sete aborda os problemas do mundo em desenvolvimento, e muitos se
referem ao HIV/AIDS, um tópico relevante também no Ocidente.
May referiu-se a uma recente declaração feita por Kofin Anan, pelas Nações Unidas,
onde se conclui que o ritmo epidêmico da AIDS está acelerando e que as estratégias
comprovadas de prevenção atingem apenas uma pequena fração dos necessitados.”Esta
declaração é uma forma sutil de dizer que a disseminação e adoção de estratégias bem
sucedidas de prevenção estão sendo seriamente dificultadas pelos argumentos do papel que
deveria representar a contracepção na forma de camisinhas”, explica May; O argumento contra
o uso da camisinha é promovido pelo Vaticano e com “a ajuda adicional dos grupos
fundamentalistas” estes argumentos tem o efeito que a ajuda dos Estados Unidos para
enfrentar HIV/AIDS parece estar usualmente ligada à promoção da abstinência e a condenação
do uso da camisinha.
Voltando finalmente á natureza cientifica do conhecimento e os problemas para se
promover uma visão cientifica na era moderna, a fala de May explica a complexidade envolvida
na ciência, que consiste em abordar as fronteiras do conhecimento. A mudança climática, a
diversidade biológica e a disseminação das doenças são temas que envolvem tópicos sérios
que May descreve como “não lineares” Simplesmente não é possível expandir de forma linear
o conhecimento presente para o futuro, e há ainda muitas incertezas.
Conquanto existam muitas áreas da ciência que sejam bem assimiladas – existem as que
são tradicionalmente ensinadas nas escolas – que demandam um longo tempo, décadas
mesmo, para que se adquira dados de observação e se desenvolvam os modelos
computadorizados para superar as incertezas que infestam áreas como as da mudança
climática e da pesquisa da AIDS. May advoga a promoção da educação em ciência contra os
pontos de vista simplísticos, notando que “há aqueles buscam, deliberadamente, lastreados
no conhecimento, confundir as incertezas de ontem com os fatos de hoje”.
Acima de tudo, conquanto verdadeiro que valores sociais estejam envolvidos na agenda
da ciência (a escolha de áreas onde o dinheiro deva ser investido na pesquisa), May se opõe à
visão pósmoderna que “levada aos extremos ... pode conduzir à interpretação que o
conhecimento cientifico nada mais é que uma 'construção social', e não afirmações sobre as
externalidades do mundo que correspondem à realidade (nas palavras de Max Plank)“
independente de nossos sentidos, com sujeição as suas leis, não inventadas pelos humanos.
A fala de May bravamente defende uma visão Iluminista contra a reação. A própria Royal
Society é fruto do Iluminismo e isto permanece como uma abordagem da ciência. “Tudo que
fazemos incorpora a essência do fato, questionando-se a abordagem analítica para entender o
mundo e o espaço que a humanidade nele ocupa”. “Nullius in Verba” [“Nas palavras não há
nada”, alternativamente “apenas os fatos interessam” - lema da Royal Society.
As visões da ciência e do Iluminismo estão sob séria agressão ideológica. Nos Estados
Unidos,
numa pesquisa recente, 37% dos entrevistados desejavam que o criacionismo fosse
ensinado nas
escolas. “Nos Estados Unidos o objetivo de uma rede crescente de fundações
fundamentalistas e
grupo
s de interesses (lobbies) vai bem além do “tempo igual” para o criacionismo ou sua
variante
disfarçada de “planejamento inteligente” nas salas de aula de ciências. Na verdade, o
objetivo final é
eliminar o materialismo científico em todas as suas manifestações.
May cita um número de artigos recentes que apontam para o perigo dos ataques
fundamentalistas à ciência, e ele está claramente preocupado com a disseminação de tais
pontos de vista e seus impactos nos governos. Conquanto ele se abstenha de criticar a visão
religiosa do Primeiro Ministro Tony Blair, ele aponta um número marcante de conselheiros
seniores de Bush citado no New York Times (17out2004), que disse: “o que nós chamamos de
comunidade baseada na realidade não é mais a forma pela qual o mundo caminha. Nós
constituímos um império e quando agimos criamos nossa própria realidade”.
A fala sem reservas de May expressa a preocupação pelo futuro da humanidade e do
ecossistema do planeta, e é apoiada por milhares de cientistas. Conquanto ele, conforme seria
esperado, mantenha ilusões que as políticas buscadas por governos nacionais e corporações
multinacionais possam ser restringidas por acordos internacionais, como o assinado em
Kyoto, as conclusões que podem ser derivadas de sua visão da ciência, e os alertas que faz,
apontam em direção oposta. O sistema político atual baseado no lucro capitalista e no estadonação
é incompatível com o gerenciamento democrático e racional dos recursos da terra
baseado na ciência.